Artesanato, arte e cultura popular

Ciro Fernandes

Renata Costa

Última atualização há um ano

O artesanato existe desde que existe homem, porque a prática de produzir objetos de forma manual é tão antiga quanto a própria humanidade. Mas você sabe por que se comemora o dia do artesão no 19 de março? Porque é o dia de São José, o carpinteiro.

A escolha dessa data para celebrar o Dia do Artesão tem origem na tradição cristã, que atribui a São José o ofício da carpintaria, que pode ser considerada uma das atividades artesanais mais antigas da humanidade. A carpintaria evoluiu com as necessidades da sociedade, mas desde o tempo em que o homem aprendeu a produzir instrumentos rústicos para construir manualmente seus abrigos, móveis e objetos, que o ofício vem se transformando. Assim, carpinteiros, marceneiros e toda sorte de artesãos que dão vida à matéria através da sua arte manual vem passando seus conhecimentos e saberes ancestrais de geração em geração, deixando um importante legado ao longo da história.


Uma dessas figuras, que vem deixando literalmente gravada a sua história através da arte é o artesão Ciro Fernandes. Ciro é paraibano, sertanejo forte, que migrou para o sudeste do país em busca de trabalho, como muitos nordestinos, mas que conquistou o mundo mesmo foi com o seu dom natural, a xilogravura. A sua arte é tida como referência cultural e hoje, com mais de 80 anos ele continua super ativo e surpreende com a sua capacidade criativa. É ele o nosso artesão de referência e homenageado pelo Kassuá nesta data tão especial que é o dia do artesão.


Ciro foi criado na paisagem do interior, entre asa-brancas e carcarás, entre rendeiras e vaqueiros, a correr pela terra seca e contemplar o céu estrelado das noites do sertão. E é esse cenário permeado de suas memórias de infância que inspira o seu trabalho. Ciro materializa as suas vivências e recordações em pura arte popular nordestina. Não só na xilogravura, onde se destaca mundialmente, mas também em obras que ilustram livros, folhetos, jornais, cartazes, quadros, dentre outros tantos trabalhos.

Quando contactamos Ciro em 2021, tínhamos um pedido muito especial: Uma xilogravura que representasse a nossa marca e a nossa história. Nossa logomarca tinha sido definida, nossas caixinhas já estavam fazendo sucesso e tínhamos acabado de receber a poesia feita especialmente para o nosso cordel, que precisava de uma capa. E logicamente que a capa do cordel tinha que ter uma xilogravura. No início da conversa, ele de pronto exclamou: - Um caçuá, claro! Encomenda feita, dias depois recebemos a ligação do filho de Ciro informando que nossa xilo estava pronta, mas o mais interessante foi ele nos contar que durante o processo criativo, os caçuás e os tropeiros em bandos que faziam parte das recordações do Ciro menino de Uirauna renderam histórias de pai para filho. Que emocionante saber que em cada pedacinho esculpido naquela madeira havia uma memória!


Foi assim que surgiu a obra de Ciro e um dos nossos maiores “assets”: O Caçuá.


Meu esposo tinha uma viagem ao Rio por aqueles dias e decidimos que ele pegaria a xilo original direto com o artista. Foi mais uma emoção indescritível. Ele contou-lhe sobre o processo de produção da matriz (madeira sobre qual foi feita a imagem em relevos e que depois foi reproduzida em papel especial), enquanto discorria mais memórias de sua vida no sertão da Paraíba e da época em que as xilogravuras eram feitas sobre as cascas de cajazeiras e umburanas.


Como se sabe, a xilogravura é uma técnica que usa a madeira como matriz para gravar ilustrações. É uma técnica muito antiga, originária da Ásia, mas foi introduzida no Brasil durante a época colonial, trazida pelos portugueses, que a usavam para imprimir imagens religiosas em folhetos e cartazes. No entanto, foi na cultura popular do Nordeste brasileiro que a xilogravura encontrou sua expressão mais vibrante e original, sendo utilizada para ilustrar os folhetos de cordel e outras publicações populares. A partir dos anos 60, a xilogravura ganhou mais expressão, deixando de ser uma ilustração pura e simples e passando a ser compreendida como arte. Ciro Fernandes tem um papel importantíssimo nesse processo de valorização da xilogravura como uma expressão de arte contemporânea no Brasil.

Ciro desenvolveu uma técnica própria, utilizando blocos de madeira maciça para criar obras de arte complexas e coloridas, com múltiplas camadas e texturas. Ele também trabalha com outras técnicas, como a litografia, serigrafia, e incorpora elementos de design gráfico em suas obras, criando cartazes e ilustrações para livros.

A Ciro Fernandes nossa homenagem e toda nossa admiração. Neste dia em que se comemora o Dia do Artesão, Ciro representa toda a potencialidade do artesão que expressa cultura e arte através do trabalho manual.


Renata Almeida, 

criadora e curadora do Kassuá


Fontes:

cirofernandes.com.br, 2023. Acesso em: 16 de março de 2023

festivalculturaldobrasil.org, 2022. Acesso em 19 de março de 2023

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